sábado, 15 de outubro de 2011

Sobre o Declínio do Estado...- I

Niccoló Machiavelli, pintura de Santi di Tito [Source: Wikipedia]
Este pequeno texto é apenas um convite à reflexão. Nesta Era da Globalização, em que o Estado se assume como o Fazendeiro e querendo fazer do povo o seu Gado Humano, torna-se premente a Sociedade Civil despertar para o momento histórico dramático que a maioria de nós vivemos, procurando pensar alternativas para a criação de um contra-poder que se oponha ao esmagamento das populações e a sua redução à condição de escravos, de gado humano...

Machiavelli introduziu na teoria política a palavra Estado, lo Stato (1), usando-a repetidamente nos seus escritos, particularmente em O Principe [1]. Porém, o homem que inventou a palavra foi Thomas Hobbes. Se não fosse para organizar as "guerras" contra outros estados da mesma natureza, provavelmente as funções do Estado seriam bem mais limitadas, o Estado teria um papel marginal. Mas com a necessidade de organizar as guerras, o estado desenvolveu a burocracia, os impostos, a saúde e a educação (se não tivesse sido essa a razão, estes últimos dois serviçoes teriam sido criados com outros meios).

Foi por esse motivo que o Banco de Inglaterra foi fundado, com base na necessidade de coletar dinheiro para as guerras que a Bretanha mantinha com Louis XIV. No Sec. XIX, foi a guerra que levou os "Estados" à criação dos impostos, do curso legal (em Inglês "Legal Tender"), da moeda fiduciária (em Inglês "Greenback", moeda criada nos USA durante a Guerra Civil Norte-Americana).
Parece igualmente importante para a formação da estrutura do Estado os factores emocionais. Foi a Revolução Francesa que, ao apelar o povo à "levée en masse" (seguido pelo exemplo de outros estados), que consoldou a ideologia nacionalista no Séc. XIX.

Com a invenção das armas nucleares, constrangimentos dantescos se impõem e os Estados compreendem que uma guerra nuclear poderá, na melhor das hipóteses, conduzir a uma vitória de Pirro de um dos adversários. Em resultado dos esforços desenvolvidos no Projecto Manhattan, os Estados Unidos da América tornaram-se na primeira potência mundial a possuir essa arma terível e a usá-la por duas vezes sobre o Japão, em Hiroshima e Nagasaki (cidade fundada pelos Portugueses e onde ainda hoje aí os Japoneses mostram grande afeição por nós). Após o horror que a máquina de guerra mostra em 1945, uma série de obras vêm a lume tentando agitar as consciências adormecidas (uma inércia que ainda hoje sentimos por toda a parte), sendo a obra de Aldous Huxley "Ape and Essence" uma marco importante [3].

Corpo calcinado pelas altas temperaturas do ar após a explosão nuclear, numa posição que mostra toda a agonia da guerra. Ainda hoje se vê em Nagasáki pessoas que têm problemas de pele e outros devido aos efeitos causados ainda hoje pela explosão nuclear.
A imaginação humana é fértil, a consciência fraca (o Estado actual tem armas poderosíssimas para assim nos manter: a TV e os jornais), e o avanço da electrónica e computarização permitiram a produção dos Multiple Reentry Vehicles (MRV) e os multiple independent reentry vehicles (MIRV), veja aqui como eles funcionam... Ao compreendermos o poder de todo este potencial bélico, forçoso é de concluir que o Estado não pode e não deve justificar a sua existência com o pretexto da defesa do Estado contra ameaças externas (guerras).
Nagasáki após a explosão nuclear. Na reconstrução da cidade houve que depositar cerca de 1-2 metros de areia sobre toda a zona para diminuir o efeito da radioactivade residual, sempre activa.
Mudou-se então a visão do papel do Estado, voltando-o para uma ação interna, sobre a sociedade civil, completamente indefesa. Desenvolveu-se a estatística, os impostos, a polícia e o sistema prisional, a educação compulsória, ao mesmo tempo que enfraquece e erradica todas as instituições que diminuam o seu poder (as cooperativas, associações culturais e regionais, a banca do povo, ...), instituições e modos de vida às quais as populações estavam habituadas. Com a Segunda Guerra Mundial houve um aumento brutal da produção à custa da mobilização das populações e o direcionamento de todos os recursos para o esforço militar.
Mulheres trabalhando numa fábrica de bombardeiros durante a Segunda Guerra Mundial.

Nesta fábrica situada a noroeste de Norhhausen, os alemães construiram
cerca de 10000 ! foguetes V-1 e V-2, tendo lançado cerca de 3000 sobre Londres, Norwich e Antuérpia.
Aqui trabalharam de 1943 a 1945 cerca de 60000 prisioneiros em regime de
escravidão. Crédito imagem: forum.ubi.com
A crise actual das nossas sociedades é semelhante à situação problemática que a Ciência enfrentou na tentativa de esclarecer o movimento dos planetas, em determinar qual o papel central do Sol, em simplificar a complexidade excessiva das órbitas planetárias, o absurdo do sistema Ptolemaico apoiado e defendido com ferro e fogo pela Igreja, mas depois abandonado após muito sangue derramado e a extraordinária luta feita por homens como Giordano Bruno (queimado na fogueira da Inquisição), Galileu Galilei,...[4]. Não foi em vão. Por fim a humanidade adquiriu uma nova visão do universo e do lugar do seu planeta Terra, que outros mundos eram possíveis e que o nosso não passa de apenas um entre uma miríade de outros.

Galileu, julgado pela Inquisição.
A dramática semelhança entre a história da Ciência e a evolução das concepções políticas parece-nos notória. Aliás, a primeira vez que a palavra revolução foi pronunciada, foi na noite de 14 de Julho de 1789, em Paris. Foi quando o Duque de La Rochefoucauld Liancourt, avisou o rei Louis XVI da queda da Bastilha e libertação dos seus prisioneiros e a derrota das tropas reais frente aos populares. O diálogo, famoso, que se seguiu, foi este. O rei exclamou, "É uma revolta!". Liancourt retorquiu, "Não, Senhor, é uma revolução". Esta era a palavra usada então para descrever o movimento cíclico dos planetas, a sua rotação em torno do Sol [5a].

Churchill e Roosevelt compreenderam que o esforço exigido às populações durante o período da Segunda Grande Guerra precisava de ser compensado, e assinaram a Carta do Atlântico onde entre oito outros aspectos, se reconhecia o direito das populações à auto-determinação, liberdade para a cooperação económica e o reconhecimento que os trabalhadores trabalhariam para um mundo livre de contrangimentos e medo.

Hoje em dia é notório o carácter corporativista do Estado, apoderado por políticos corruptos e ao serviço das grandes corporações e sórdidos banqueiros. Herdeiros do Estalinismo e do Nazismo, doutrinas e modus operandi que rapidamente compreenderam servir os seus interesses. Os partidos políticos não têm o carácter democrático que são supostos ter e esta característica que desvirtua o funcionamento das ditas sociedades democráticas (como dizia, na realidade, são sociedades corporativistas) resulta das contradições internas que geram [5b]. Robert Michell, um sociologo Alemão, estudou o funcionamento de partidos socialistas(!!) e observou que existe uma lei de ferro das oligarquias. Ao fim de pouco tempo, somente um pequeno número comanda o partido, ditando as suas leis, enquanto a esmagadora maioria não tem qualquer peso. Michel foi aluno do Max Weber e publicou este estudo em 1911.

O que se compreende cada vez mais claramente é que há que cortar com as limitações impostas pelo "Estado" às famílias e indivíduos, recriando novas bases que favoreçam uma aliança criativa e fecunda entre a democracia industrial e a política. Para contrariar essa via, o "Estado" criou as "carreiras profissionais", na dependência do poder do Estado e do governo (que manobra o aparelho de Estado). As pessoas ficam cada vez mais dependenetes do governo e seus tentáculos, perdendo independência, servindo o "Estado" (isto é, a corporação que ocupou o posto de comando do poder total) como escravos (no Brasil, em certas regiões consta que os pobres camponeses acabam por ficar devedores do patrão...)

Para contrariar esta tendência, estudada e entretida ao milímetro pelos cientistas políticos ao serviço da "Corporação", a Sociedade Civil tem que se opor, começando a construir alternativas que, na verdade já existiram no passado, mas que têm vindo a ser demolidas metodicamente. Desde a Idade Média que cada unidade familiar é uma pequena indústria, que provia o sustento familiar e cuja profissão era passada de pais para filhos. Tal esquema permitia que a vida dessa família se tornasse relativamente independente, podendo-se localizar onde melhor fosse para a indústria e o comércio. Hoje tudo isso é impossível. Os indivíduos são controlados até ao milímetro via progresso tecnológico que na verdade está voltado sobretudo para o domínio do homem. A burocracia exerce o seu poder com uma mão de ferro e informática e os computadores têm que ser mais potentes, passa-se à computação quântica que não virá para aliviar a fome e a dor do homem. Virá para controlar mais rapidamentoe o IRS e a localização do ladrão. "Chama o ladrão, chama o ladrão", esta é a canção do Chico Buarque. Quando se tem a "polícia do Estado" à porta, quem chamamos? Chamo o ladrão. A Internet é algo de extrarodinário, assim como a tecnologia, concerteza. Mas hoje em dia não se compra uma câmara digital só porque precisa-se, compra-se para alimentar uma indústria. Compra-se para alimentar a Sociedade Consumista em que nos tornámos, como se este fosse o Fim da História...

As cooperativas têm um papel fundamental na sociedade civil, pois elas permitem enfrentar em comum problemas de sobrevivência [5]. As cooperativas não devem ser confundidas com o Estado Corporativista, tal como o nosso é, desde o período Salazarista [6].

A estátua de Giordano Bruno erguida
no local onde ele foi executado,
Campo de' Fiori, em Roma.

Bibliografia-
[1] - Ler aqui em Português.
[3] - Aldous Huxley, Ape and Essence (o recente filme the rise of the Planet of the Apes parece-me ser inspirado nesta obra, veja aqui o trailer do filme)
[4] - Este video mostra uma analogia interessante entre o entendimento confuso das gentes medievais e o nosso entendimento actual do papel do Estado. Para reflectir.
[5a] p.38, Hannah Arendt, On Revolution (Penguin Classics)
[5] - Para quem quer fundar uma cooperativa, sugiro a leitura destes livros: Reitse Koopmans, "Iniciar uma cooperativa: iniciativas económicas geridas por agricultores "; Helnom de Oliveira Crúzio, Como organizar e Administrar uma Cooperativa".
[5a] -
[5b] - Robert Michels, Political Parties (descarregue aqui)
[6] - Leia-se, por exemplo, este texto de Thayer Watkins.



Abrãao Zacuto

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