sábado, 6 de novembro de 2010

Por cada 5 governantes há um homem do BCP

História

Por cada 5 governantes há um homem do BCP

por HUGO FILIPE COELHO 02 Novembro 2010
'Os Donos de Portugal', de cinco bloquistas, conta a história de como os senhores do dinheiro se tornaram "donos dos governos"
Depois de vencer eleições Durão Barroso convidou para ministro da Economia Carlos Tavares, vice--presidente no grupo Santander. Quando, quatro anos mais tarde, José Sócrates pensou num homem para aquele lugar no seu Governo socialista pescou Manuel Pinho nos quadros da administração do BES. Passos Coelho não é primeiro-ministro. Mas na esperança vir a sê-lo, já terá reservado ao Grupo Mello António Nogueira Leite - também apelidado de "próximo ministro das Finanças".
O elenco é apenas uma amostra da relação estreita entre a banca e a política na democracia portuguesa. Ao longo das últimas três décadas e meia, um em cada cinco ministros ou secretários de Estado em pastas com ligações aos negócios tem uma passagem pelo grupo millenium BCP no currículo. No caso do BES, o segundo banco privado, a proporção é de um por cada dez.
A conclusão está escrita em Os Donos de Portugal - Cem anos de Poder Económico 1910-2010. O ensaio co-escrito por cinco dirigentes do Bloco de Esquerda foi publicado na última semana. Francisco Louçã disse na sessão de apresentação que o livro conta a história sobre a forma como "a finança e o poder foram irmãos gémeos na constituição da riqueza e do privilégio".
Os autores reuniram os currículos de 115 ministros e secretários de Estado de PS, PSD e CDS desde os anos 1970. "O que verificamos é que existe uma relação muito forte entre o poder político e o poder económico," disse ao DN o deputado Jorge Costa.
"Os grupos económicos têm um interesse declarado em pessoal político, porque conseguem através deles garantir o acesso às redes de influência."
Recordando os percursos de Jorge Coelho, antigo ministro das Obras Públicas de António Guterres que passou para a Mota-Engil, e Ferreira do Amaral, que após o Executivo de Cavaco foi para a Lusoponte, o livro denuncia "uma ascensão social vertiginosa" dos governantes. "São pessoas que entraram para os grupos económicos depois de estarem no poder político e que com isso se tornam milionários que nunca foram."
Jorge Costa explica que "o trânsito entre cargos políticos e os conselhos de administração das grandes empresas é uma face da relação de favor" entre o Estado e as famílias detentoras dos grandes grupos económicos a que chamam "os donos de Portugal".
Porque o fio condutor do livro é a história de como os senhores do dinheiro se tornaram "donos dos governos" do País e como o Estado os ajudou a construir e a manter a sua riqueza durante quatro regimes e um século.
"O núcleo de famílias que constitui o centro do poder demonstrou ao longo dos tempos a capacidade para se ligar ao Estado," disse o deputado bloquista.
"Ricardo Salgado disse há algum tempo que o seu banco (o BES) é o banco de todos os re- gimes", lembrou Jorge Costa, notando que que além dos Espírito Santo também os Champalimaud e os Ulrich dominavam os negócios na viragem do século.
Os autores traçam o percurso de concentração da riqueza, desde as rendas dos tabacos até aos contratos exclusivos no Império.
As nacionalizações foram um momento de ruptura, mas, diz Jorge Costa, tornaram-se numa oportunidade para os antigos proprietários. "As empresas foram concentradas e depois devolvidas em termos de favor aos seus donos."
O livro mostra ainda como "os donos de Portugal" se tornaram através dos matrimónios entre os seus descendentes e se tornaram todos uma "grande família"

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Haja coragem!

Declaração pública de Paulo Varela Gomes

 23.10.10Texto publicado no jornal Público de 23 de Outubro de 2010

Sobre Paulo Varela Gomes:

Licenciado em história pela Universidade Clássica de Lisboa (1978), mestre em história da arte pela Universidade Nova de Lisboa (1988), doutorado em história da arquitectura pela Universidade de Coimbra (1999). Docente do DARQ desde 1991, professor convidado do Dep. Autónomo de Arquitectura da Universidade do Minho desde 2001, docente convidado de outras universidades portuguesas e estrangeiras. A principal área de investigação e publicação tem sido a história da arquitectura e da cultura arquitectónica portuguesa dos séculos XVII e XVIII.

DECLARAÇÃO

As medidas que o Estado português se prepara para tomar não servem para nada. Passaremos anos a trabalhar para pagar a dívida, é só. Acresce que a dívida é o menor dos nossos problemas. Portugal, a Grécia, a Irlanda são apenas o elo mais fraco da cadeia, aquele que parte mais depressa. É a Europa inteira que vai entrar em crise.
O capitalismo global localiza parte da sua produção no antigo Terceiro Mundo e este exporta para Europa mercadorias e serviços, criados lá pelos capitalistas de lá ou pelos capitalistas de cá, que são muito mais baratos do que os europeus, porque a mão-de-obra longínqua não custa nada. À medida que países como a China refinarem os seus recursos produtivos, menos viável será este modelo e ainda menos competitiva a Europa. Os capitalistas e os seus lacaios de luxo (os governos) sabem isso muito bem. O seu objectivo principal não é salvar a Europa, mas os seus investimentos e o seu alvo principal são os trabalhadores europeus com os quais querem despender o mínimo possível para poderem ganhar mais na batalha global. É por isso que o "modelo social europeu" está ameaçado, não essencialmente por causa das pirâmides etárias e outras desculpas de mau pagador. Posto isto, tenho a seguinte declaração a fazer:
Sou professor há mais de 30 anos, 15 dos quais na universidade.
Sou dos melhores da minha profissão e um investigador de topo na minha área. Emigraria amanhã, se não fosse velho de mais, ou reformar-me-ia imediatamente, se o Estado não me tivesse já defraudado desse direito duas vezes, rompendo contratos que tinha comigo, bem como com todos os funcionários públicos.
Não tenho muito mais rendimentos para além do meu salário. Depois de contas rigorosamente feitas, percebi que vou ficar desprovido de 25% do meu rendimento mensal e vou provavelmente perder o único luxo que tenho, a casa que construí e onde pensei viver o resto da minha vida.
Nunca fiz férias se não na Europa próxima ou na Índia (quando trabalhava lá), e sempre por pouco tempo. Há muito que não tenho outros luxos. Por exemplo: há muito que deixei de comprar livros.
Deste modo, declaro:
1) o Estado deixou de poder contar comigo para trabalhar para além dos mínimos indispensáveis. Estou doravante em greve de zelo e em greve a todos os trabalhos extraordinários;
2) estou disponível para ajudar a construir e para integrar as redes e programas de auxílio mútuo que possam surgir no meu concelho;
3) enquanto parte de movimentos organizados colectivamente, estou pronto para deixar de pagar as dívidas à banca, fazer não um, mas vários dias de greve (desde que acompanhados pela ocupação das instalações de trabalho), ajudar a bloquear estradas, pontes, linhas de caminho-de-ferro, renarias, cercar os edifícios representativos do Estado e as residências pessoais dos governantes, e resistir pacificamente (mas resistir) à violência do Estado.
Gostaria de ver dezenas de milhares de compatriotas meus a fazer declarações semelhantes

Onde pára a consciência nacional?

Transcrevo aqui um texto de Baptista Bastos (b.bastos@netcabo.pt) publicado no Jornal de Negócios a 29 de Outubro de 2010

OS TRISTES DIAS DO NOSSO INFORTÚNIO


O dr. Cavaco consumiu vinte minutos, no Centro Cultural de Belém, a esclarecer os portugueses que não havia português como ele. Os portugueses, diminuídos com a presunção e esmagados pela soberba, escutaram a criatura de olhos arregalados. Elogio em boca própria é vitupério, mas o dr. Cavaco ignora essa verdade axiomática, como, aliás, ignora um número quase infindável de coisas.

O discurso, além de tolo, era um arrazoado de banalidades, redigido num idioma de eguariço. São conhecidas as amargas dificuldades que aquele senhor demonstra em expressar-se com exactidão. Mas, desta vez, o assunto atingiu as raias da nossa indignação. Segundo ele de si próprio diz, tem sido um estadista exemplar, repleto de êxitos políticos e de realizações ímpares. E acrescentou que, moralmente, é inatacável.

O passado dele não o recomenda. Infelizmente. Foi um dos piores primeiros-ministros, depois do 25 de Abril. Recebeu, de Bruxelas, oceanos de dinheiro e esbanjou-os nas futilidades de regime que, habitualmente, são para "encher o olho" e cuja utilidade é duvidosa. Preferiu o betão ao desenvolvimento harmonioso do nosso estrato educacional; desprezou a memória colectiva como projecto ideológico, nisso associando-se ao ideário da senhora Tatcher e do senhor Regan; incentivou, desbragadamente, o culto da juventude pela juventude, característica das doutrinas fascistas; crispou a sociedade portuguesa com uma cultura de espeque e atrabiliária e, não o esqueçamos nunca, recusou a pensão de sangue à viúva de Salgueiro Maia, um dos mais abnegados heróis de Abril, atribuindo outras a agentes da PIDE, "por serviços relevantes à pátria." A lista de anomalias é medonha.

Como Presidente é um homem indeciso, cheio de fragilidades e de ressentimentos, com a ausência de grandeza exigida pela função. O caso, sinistro, das "escutas a Belém" é um dos episódios mais vis da história da II República. Sobre o caso escrevi, no Negócios, o que tinha de escrever. Mas não esqueço o manobrismo nem a desvergonha, minimizados por uma Imprensa minada por simpatizantes de jornalismos e por estipendiados inquietantes. Em qualquer país do mundo, seriamente democrático, o dr. Cavaco teria sido corrido a sete pés.

O lastro de opróbrio, de fiasco e de humilhação que tem deixado atrás de si, chega para acreditar que as forças que o sustentam, a manipulação a que os cidadãos têm sido sujeitos, é da ordem da mancha histórica. E os panegíricos que lhe tecem são ultrajantes para aqueles que o antecederam em Belém e ferem a nossa elementar decência.

É este homem de poucas qualidades que, no Centro Cultural de Belém, teve o descoco de se apresentar como símbolo de virtudes e sinónimo de impolutabilidade. É este homem, que as circunstâncias determinadas pelas torções da História alisaram um caminho sem pedras e empurraram para um destino que não merece - é este homem sem jeito de estar com as mãos, de sorriso hediondo e de embaraços múltiplos, que quer, pela segunda vez, ser Presidente da nossa República. Triste República, nas mãos de gente que a não ama, que a não desenvolve, que a não resguarda e a não protege!

Estamos a assistir ao fim de muitas esperanças, de muitos sonhos acalentados, e à traição imposta a gerações de homens e de mulheres. É gente deste jaez e estilo que corrói os alicerces intelectuais, políticos e morais de uma democracia que, cada vez mais, existe, apenas, na superfície. O estado a que chegámos é, substancialmente, da responsabilidade deste cavalheiro e de outros como ele.

Como é possível que, estando o País de pantanas, o homem que se apresenta como candidato ao mais alto emprego do Estado, não tenha, nem agora nem antes, actuado com o poder de que dispõe? Como é possível? Há outros problemas que se põem: foi o dr. Cavaco que escreveu o discurso? Se foi, a sua conhecida mediocridade pode ser atenuante. Se não foi, há alguém, em Belém, que o quer tramar.

Um amigo meu, fundador de PSD, antigo companheiro de Sá Carneiro e leitor omnívoro de literatura de todos os géneros e projecções, que me dizia: "Como é que você quer que isto se endireite se o dr. Cavaco e a maioria dos políticos no activo diz 'competividade' em vez de 'competitividade' e julga que o Padre António Vieira é um pároco de qualquer igreja?"

Pessoalmente, não quero nada. Mas desejava, ardentemente desejava, ter um Presidente da República que, pelo menos, soubesse quantos cantos tem "Os Lusíadas."