quinta-feira, 15 de março de 2012

Obrigado, Sr. ministro-texto de João César das Neves

Obrigado, Sr. ministro!



por JOÃO CÉSAR DAS NEVES

Há dias um pobre pediu-me esmola. Depois, encorajado pela minha

generosidade e esperançoso na minha gravata, perguntou se eu fazia o

favor de entregar uma carta ao senhor ministro. Perguntei-lhe qual

ministro e ele, depois de pensar um pouco, acabou por dizer que era ao

ministro que o andava a ajudar. O texto é este:



"Senhor ministro, queria pedir-lhe uma grande ajuda: veja lá se deixa

de me ajudar. Não me conhece, mas tenho 72 anos, fui pobre e trabalhei

toda a vida. Vivia até há uns meses num lar com a minha magra reforma.

Tudo ia quase bem, até o senhor me querer ajudar.

Há dois anos vierem uns inspectores ao lar. Disseram que eram de uma

coisa chamada Azai. Não sei o que seja. O que sei é que destruíram a

marmelada oferecida pelos vizinhos e levaram frangos e doces dados

como esmola. Até os pastelinhos da senhora Francisca, de que eu

gostava tanto, foram deitados fora. Falei com um deles, e ele disse-me

que tudo era para nosso bem, porque aqueles produtos, que não estavam

devidamente embalados, etiquetados e refrigerados, podiam criar graves

problemas sanitários e alimentares. Não percebi nada e perguntei-lhe

se achava bem roubar a comida dos pobres. Ele ficou calado e acabou

por dizer que seguia ordens.

Fiquei então a saber que a culpa era sua e decidi escrever-lhe. Nessa

noite todos nós ali passámos fome, felizmente sem problemas sanitários

e alimentares graves.

Ah! É verdade. Os tais fiscais exigiram obras caras na cozinha e

noutros locais. O senhor director falou em fechar tudo e pôr-nos na

rua, mas lá conseguiu uns dinheiritos e tudo voltou ao normal. Como os

inspectores não regressaram e os vizinhos continuaram a dar-nos

marmelada, frangos e até, de vez em quando, os belos pastéis da tia

Francisca, esqueci-me de lhe escrever. Até há seis meses, quando

destruíram tudo.

Estes não eram da Azai. Como lhe queria escrever, procurei saber tudo

certinho. Disseram-me que vinham do Instituto da Segurança Social.

Descobriram que estava tudo mal no lar. O gabinete da direcção tinha

menos de 12 m2 e na instalação sanitária do refeitório faltava a

bancada com dois lavatórios apoiados sobre poleias e sanita com apoios

laterais. Os homens andaram com fitas métricas em todas as janelas e

portas e abanaram a cabeça muitas vezes. Havia também um problema

qualquer com o sabonete, que devia ser líquido.

Enfureceram-se por existirem quartos com três camas, várias casas de

banho sem bidé e na área destinada ao duche de pavimento (ligeiramente

inferior a 1,5 m x 1,5 m) não estivesse um sistema que permita tanto o

posicionamento como o rebatimento de banco para banho de ajuda (uma

coisa que nem sei o que seja). Em resumo, o lar era uma desgraça e

tinha de fechar.

Ultimamente pensei pedir aos senhores fiscais para virem à barraca

onde vivo desde então, medir as janelas e ver as instalações

sanitárias (que não há!). Mas tenho medo que ma fechem, e então é que

fico mesmo a dormir na rua.

Mas há esperança. Fui ontem, depois da missa, visitar o lar novo que o

senhor prior aqui da freguesia está a inaugurar, e onde talvez tenha

lugar. Fiquei espantado com as instalações. Não sei o que é um hotel

de luxo, porque nunca vi nenhum, mas é assim que o imagino. Perguntei

ao padre por que razão era tudo tão grande e tão caro. Afinal, se

fosse um bocadinho mais apertado, podia ajudar mais gente. Ele

respondeu que tinha apenas cumprido as exigências da lei (mais uma vez

tem a ver consigo, senhor ministro). Aliás o prior confessou que não

tinha conseguido fazer mesmo tudo, porque não havia dinheiro, e

contava com a distracção ou benevolência dos inspectores para lhe

aprovarem o lar. Se não, lá ficamos nós mais uns tempos nas barracas.

Senhor ministro, acredito que tenha excelentes intenções e faça isto

por bem. Como não sabe o que é a pobreza, julga que as exigências

melhoram as coisas. Mas a única coisa que estas leis e fiscalizações

conseguem é criar desigualdades dentro da miséria. Porque não se

preocupam com as casas dos pobres, só com as que ajudam os pobres."



Triste País que procede assim com os pobres....

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