terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Como somos hoje vistos pelos Angolanos...

[É um texto curioso, embora entristeça o tom racista que o impregna, pretendendo rebaixar um povo submetido a duros constrangimentos, que só é pobre nos seus líderes políticos, mas a sua história é rica, milenar. Desesperados estamos quase todos na Europa, até a maior potência do mundo, os EUA. E Angola continua sendo hoje, quase 40 anos volvidos, um país com uma população pobre e inculta, dominado por uma plutocracia militar sem pudor algum. Vive dos diamantes e do petróleo, e o petróleo todos sabemos ser uma fonte de energia que tem agravado a poluição e o aquecimento global. Mal se pode viver em Luanda e quem aí trabalha, o faz por necessidade, não por prazer. Portugal não é sequer pobre em recursos, tem uma terra arável razoável, recursos minerais apreciáveis, uma beleza natural que é apreciada pelos estrangeiros, e potencial humano que baste. Enfim, que estou eu fazendo aqui, rebatendo um texto que no fundo revela sentimentos inferiores, e o que vai na mente de alguns angolanos intelectualóides...AZ]

Artigo de um Jornal de Angola.
8.11.12

Privilegiados contra desesperados
Texto de Rui Ramos

Milhares de portugueses desesperados formam diariamente filas intermináveis nos Centros de Emprego e outros largos milhares ainda é noite e lá vão para Alcântara na tentativa esperançosa de conseguir um visto para Angola, a nova Terra da Promissão.
O povo português é tradicionalmente um povo pobre, povo de olhar o chão para ver se encontra centavos, tostões ou cêntimos. Mas de repente votou num poder que lhe abriu as portas do paraíso artificial. Desatou a contrair empréstimos para comprar primeira, segunda e terceira habitação, carros para cada membro da família, computador para cada membro da família, cão para cada membro da família, um telemóvel por cada operadora para cada membro da família.
Os bancos fizeram o seu trabalho de casa, deram empréstimos a cada membro da família, deram cartões de crédito, cinco para cada membro da família, até bebé tem cartão de crédito e empréstimo bancário em Portugal.
Narizes empinados, até pareciam ricos. Parecia que estavam a crescer, a subir. Tinha até motorista de autocarro 463 que não parava na paragem quando trabalhadora cabo-verdiana tocava. Trabalhar para pretos?
Menina mais castanha era chamada de “suja”, vai para a tua terra. Presidente da Câmara de Lisboa apanhou sol desde os tempos dos avós e muitas pessoas chamavam-lhe “o preto da Câmara”. Gostam muito de chamar “pretinho”, gostam mesmo.
De repente acabou a teta da loba, secou, voltou ao que era, como sempre foi: país muito pobre. Quase dois milhões no desemprego para o resto da vida. Prosperam negócios ilegais, nas cervejarias trafica-se droga na cara da polícia, à luz do dia assaltam-se pessoas e supermercados impunemente, a polícia diz que não pode fazer nada.
Então chegam notícias, não de Preste João, mas da teta angolana: tem leite enriquecido.
Chiu, não chama mais preto, eles não gostam e não te dão visto. E então a procissão de nossa senhora da esperança avança para Alcântara, enche o passeio como uma jibóia. Marcam lugar, vão rápido no bar, menina, uma bica bem escura, eu não sou racista. Na bicha só se ouve “eu não sou racista, nunca fui, eu nunca chamei preto a ninguém, acho que me vão dar visto…
Esses são os desgraçados, arruinados, miseráveis de um país no abismo. Outros vivem desses. Os candongueiros, os fugitivos dos impostos, mas também os intelectualóides que já foram paridos com um livro na mão. Passam lá de madrugada quando voltam para casa e ao verem aquela bicha espumam como cão vadio, põem cara de podre e murmuram “pretos da merda”, passam na bicha e trombeiam “aquilo lá é uma ditadura, os chineses comem pessoas…”.
Ninguém liga a esses pereiras gayvotas de rabo gordo. Depois quando acordam a meio da tarde voltam lá – e lá está a bicha – outra bicha interminável, para recolher os vistos, os intelectualóides trombilham de novo, despenteados, casposos e com a boca suja (intelectualóide lusitano não lava os dentes): “ide lá, ide, ide lá fazer filhos mulatos…”
Derrotada em Sintra, à beira da exaustão nervosa, depois de três horas no IC19, Ana Gomes chega a Alcântara e fala de longe aos desesperados de migalhas: “Eu sou amiga de Angola, eu nunca falei mal de Angola, quem falou mal foi o doutor Pacheco Pereira, eu nunca fui à Jamba, eu nunca vi o Savimbi, eu não pus nome de Savimbi no meu filho, quem pôs foi o João…” Os zombies lusitanos não a ouvem, nem a ela nem ao tal Pereira, os ciumentos, os despeitados, os preconceituosos, os vozinhas finas, cheios de raiva por causa daquelas bichas longas, cada pessoa que ali chega desesperada que chega à bicha é mais uma cárie naqueles dentes sujos: “não, não, não estão a chegar mais, doutor, diga-me que não estão a chegar mais…”.
Quem chega atrasado à interminável bicha diária e não ouviu, pergunta quem é aquela nervosa com aqueles tiques esquisitos. Um desesperado lhe diz, desinteressado: é uma gaja de Sintra que está bem instalada na Europa e vem aqui cuspir perdigotos gozando connosco, como aquele Pereirinha gorduxoso esquisito que brinca com a nossa miséria.
Então o desesperado alcança a porta e uma luz se abre, chora de alegria pela primeira vez há muito tempo, sai do mundo escuro dos mortos e entra no mundo luminoso da esperança.

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