quinta-feira, 19 de abril de 2012

O Impasse Português vista por um Sociólogo Francês

Um artigo de Jacques Amaury, sociólogo e filósofo francês, professor na Universidade de Estrasburgo, a ler com olhos de ler.
«Portugal atravessa um dos momentos mais difíceis da sua história, que terá que resolver com urgência, sob o perigo de deflagração de crescentes tensões e de convulsões sociais. Importa, em primeiro lugar, averiguar as causas. Devem-se sobretudo à má aplicação dos dinheiros emprestados pela UE para o esforço de adesão e de adaptação às exigências da União. Foi o país onde a UE mais investiu "per capita" e o que menos proveito retirou. Não se actualizou, não melhorou as classes laborais, regrediu na qualidade da educação, vendeu ou privatizou mesmo actividades primordiais e património que poderiam hoje ser um sustentáculo. Os dinheiros foram encaminhados para auto-estradas, estádios de futebol, constituição de centenas de instituições público-privadas, fundações e institutos de duvidosa utilidade, auxílios financeiros a empresas que os reverteram em seu exclusivo benefício, pagamento aos agricultores para abandonarem os campos e aos pescadores para venderem as embarcações, apoios estrategicamente endereçados a elementos, ou a próximos deles, nos principais partidos, elevados vencimentos nas classes superiores da administração pública, o tácito desinteresse da Justiça frente à corrupção galopante e um desinteresse quase total das Finanças no que respeita à cobrança de impostos sobre a riqueza e a Banca, na especulação, nos grandes negócios, desenvolvendo, em contrário, uma atenção especialmente persecutória junto dos pequenos comerciantes e população mais pobre. A política lusa é um campo escorregadio onde os mais hábeis e corajosos penetram, já que os partidos, cada vez mais desacreditados, funcionam essencialmente como agências de emprego que admitem os mais corruptos e incapazes, permitindo que com as alterações governativas permaneçam, transformando-se num enorme peso bruto e parasitário. Assim, a monstruosa Função Publica ao lado da classe dos professores assessorada por sindicatos aguerridos, as Forças Armadas dispendiosas e caducas, tornaram-se não parte da solução mas um factor de peso nos problemas do país. Não existe partido de centro já que as diferenças são apenas de retórica entre o PS (Partido Socialista), da esquerda moderada e o PSD (Partido Social Democrata), da direita liberal, agora mais conservador ainda com o novo líder, que tem um suporte estratégico no PR e no tecido empresarial abastado. Mais à direita o CDS (Partido Popular), com uma actividade assinalável mas com telhados de vidro e uma linguagem pública diametralmente oposta ao que os seus princípios recomendam e a sua prática nega na primeira oportunidade. À esquerda, o PC (Partido Comunista) menosprezado pela comunicação social, que o coloca sempre como um perigo latente e uma extensão inspirada na União Soviética, oportunamente extinta, e, portanto, longe das realidades actuais. Mais à esquerda, o BE (Bloco de Esquerda), com tantos adeptos como o CDS, mas igualmente com uma linguagem difícil de se encaixar nas recomendações ao Governo, que manifesta um horror atávico à esquerda, tal como a população em geral, laboriosamente formatada para o mesmo receio.
Assim, não se encontrando forças capazes de alterar o “statu quo”, parece que a democracia pré-fabricada não encontra novos instrumentos.
Contudo, na génese deste beco sem aparente saída está a impreparação, ou melhor, a ignorância de uma população deixada ao abandono, nesse fulcral e determinante aspecto. Mal preparada nos bancos das escolas, no secundário e nas faculdades, não tem capacidade de decisão a não ser a que lhe é oferecida pelos órgãos de Comunicação. Ora e aqui está o grande problema deste pequeno país: as Televisões, as Rádios e os Jornais são, na sua totalidade, pertença de grupos privados ligados à alta finança, à indústria, comércio e à banca, com infiltrações accionistas de vários países.
Ora, é bem de ver que com este caldo não se pode cozinhar uma alimentação saudável mas apenas os pratos que o "chefe" recomenda. Daí a estagnação em que o país se encontra, que tem sido cómoda para a crescente distância entre ricos e pobres.
A RTP, a estação que agora engloba a Rádio e TV oficiais, está dominada por elementos dos dois partidos principais, com notório assento dos sociais-democratas, especialistas em silenciar posições esclarecedoras e calar quem levanta o mínimo problema ou alguma dúvida. A selecção dos gestores, dos directores e dos principais jornalistas é feita exclusivamente por via partidária. Os jovens jornalistas, são condicionados pelos problemas já descritos e ainda pelos contratos a prazo, determinantes para o seu posto de trabalho, enquanto o afastamento dos jornalistas seniores, a quem é mais difícil formatar, está a chegar ao fim. A deserção destes, foi notória.
Não há um único meio ao alcance das pessoas mais esclarecidas, e por isso "non gratas" pelo establishment, para que possam dar luz a novas ideias e alterar a realidade do seu país, envolto no conveniente manto diáfano que apenas deixa ver os vendedores de ideias já feitas e as cenas recomendáveis para a manutenção da sensação de liberdade e da apregoada democracia. Só uma comunicação não vendida nem alienante pode ajudar a população, a fugir da banca, o cancro endémico de que padece o país, a exigir uma justiça mais célere e justa, umas finanças atentas e cumpridoras, enfim, a ganhar consciência e lucidez sobre os seus desígnios.»

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