sexta-feira, 8 de julho de 2011

O Sermaõ do Bom Ladrão/ Maria José Morgado

[Excelente confissão da Procuradora-Geral Adjunta, que mostra o pano de fundo sobre o qual é suposto "reconstruir" o país. O que fazer?... ]












A velocidade incontrolável do sector empresarial do Estado tem sido fonte de corrupção e miséria.
Espantoso é descobrir a denúncia destas espertezas lusas no “Sermão do Bom Ladrão, do Padre António Vieira.
“Basta Senhor que eu porque roubo em uma barca sou ladrão e vós porque roubais em uma armada, sois Imperador? Assim é”.
Pois a armada agora será o sector empresarial do Estado guiado pelo lema do sorvedouro dos dinheiros públicos.
Alguns pequenos exemplos, segundo um especialista.
Há 14.000 entidades, 900 fundações, 1000 empresas do Estado central e local, com duplicação de funções, de despesas e desperdícios absurdos alimentadas por dinheiros públicos e tuteladas pelo Governo. Funcionam em regime de apagão orçamental.
Outra peculiaridade lusa é a de sermos o líder europeu das parcerias público-privadas em percentagem do PIB.
Os encargos assumidos nestes contratos entre o sector público e os consórcios de empresas privadas nas infra-estruturas rodoviárias, ferroviárias e da saúde correspondiam, em 2009, a cerca de 50 mil milhões de euros. Os vultuosos encargos da REFER e da Estradas de Portugal também não eram sujeitos a prestação de contas.
Os fins públicos visados nalguns destes grandes negócios são curiosos: traduzem-se numa rede de transacções entre o Estado e particulares, intermediadas por empresas veículo das quais o Estado também faz parte, com sobrefacturação ao contribuinte, numa original competitividade. A protecção do concessionário privado tornou-se normalmente ruinosa para o Estado.
Outro mistério é o fenómeno da derrapagem nas obras públicas.
A Casa da Música apresentou uma derrapagem de 300 %. Não é excepção. A metodologia das derrapagens parece essencial. Os estádios do euro 2004 são um encargo de mais mil milhões de euros a suportar em vinte anos.
É o campo de alto risco das decisões sobre mercados públicos, obras, empreitadas, subsídios. Sem prestação de contas. Sem gestão dos riscos. O estado tem assumido quase sempre os encargos com protecção exagerada das empresas privadas, como se os decisores públicos não estivessem vinculados por dever de eficiência no bom uso dos dinheiros do contribuinte. Neste húmus de más práticas foi como se o Estado entregasse a chave do galinheiro à raposa.
A crónica má gestão dos dinheiros públicos aliada ao concubinato entre certas empresas e o Estado destruíram a economia e a capacidade de produzir riqueza. Foi o resvalar da incompetência e do desleixo para formas de corrupção sistémica com o descontrolado endividamento público.
O sistema económico da livre iniciativa foi substituído pelo sistema da planificação central das comissões.
A inoperância da justiça nesta área agravou a patologia. Ninguém respondeu financeiramente por nada. Consagrou-se um espaço de actuação sem risco. O resultado está à vista: empobrecimento do país, enriquecimento ilícito e imoralidade pública.
O MP, a polícia, os tribunais devem assumir a sua quota-parte de responsabilidade na mudança na parábola do bom ladrão.
“Roubar pouco é culpa, o roubar muito é grandeza”.
Até quando?
P. S. Ao José Luís, falecido faz hoje um ano.
Procuradora-geral adjunta

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