quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Sobre uma interpretação de um texto de Fernando Pessoa

Numa tentativa de compreensão da situação mundial e, em particular, do nosso país desde há pelo menos cerca de dois séculos, encontro um texto de Fernando Pessoa, recentemente dado a conhecer num livro intitulado "Organizem-se! A Gestão segundo Fernando Pessoa" (numa edição de Filipe S. Fernandes, pela Oficina do Livro). É mais que evidente que os burocratas, os gestores, que anteriormente desempenhavam um papel subalterno na sociedade, são hoje os homens que ditam a lei ao serviço das corporações. "É a lei! Há que obedecer!", e todo este discurso vem acompanhado com o odor da organização científica, (hoje em dia o que é dito "científico" vem desvirtuado, é imposto para dominar o Homem).

Mas vejamos o que o Fernando Pessoa concluiu sobre a nossa desgraçada situação (diferente da dos outros países, como ele próprio concluiu):

Encarando o problema português com o mesmo critério, e, portanto, com o mesmo propósito de simplificação, constata-se, sem grande trabalho, que na nossa vida nacional se deu uma grande ruptura de equilíbrio, e, muito depois, duas outras perturbações, de carácter secundário, e subsidiárias daquelas.
Onde quer que se coloque o início da nossa decandência-da decadência resultante do formidável esforço com que realizámos as descobertas e as conquistas-, aí se deve colocar o início da grande ruptura de equilíbrio, que se deu na vida nacional. Com a dispersão por todo o mundo, e a morte em tantos combates, precisamente daqueles elementos que criavam o nosso progresso, o nosso pequeno povo foi pouco a pouco ficando reduzindo aos elementos  apegados ao solo, aos que a aventura não tentava, a quantos representavam as forças que , em uma sociedade, instintivamente reagem contra todo o avanço. É um dos casos mais visíveis da criação de uma predominância das forças conservadoras. Com isto, visto à luz do que se explicou, queda revelado o porquê da nossa decandência.
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Fernando Pessoa jogando xadrez.

A questão que naturalmente se nos coloca é: porque terá ficado Pessoa em Portugal?, país claramente depauperado em elementos humanos criativos, em número suficiente para propiciar uma mudança radical desta pobreza moral e espiritual em que estamos mergulhados (onde falta a "massa crítica", como se diz em Física). Confrontados com a profundidade da crise em que estamos mergulhados (não só financeira, como vimos) desde há muito, vê-se a pequenez da ação e da visão do atual governo. Que não tem nenhuma.
Trabalho há muitos anos no meio universitário e confesso tristemente a debilidade intelectual e moral da maioria dos seus elementos. Há sempre excepções, conheço alguns, apenas um punhado na minha escola, mas todos esmagados por uma sub-espécie (no sentido que o Pessoa parece reconhecer) que envenena esta país. Também neste meio se escolhe as pessoas a dedo, com a conivência do anterior Ministério Gago, com a ignorância provável do atual. É possível mudar esta situação e esperar um futuro auspicioso? Os constrangimentos são fortes. Guardo a opinião para mim, mas consta que o Pessoa por aqui se deixou ficar depois de muito ter tentado (trabalhava para uma firma inglesa, tentou entrar na universidade mas não teve permissão,...) e quando se deu conta já era demasiado tarde. E por aqui de deixou morrer. Bebeu que se fartou para aliviar a dor. Não deixando de pronunciar no leito de morte as suas últimas palavras em Inglês...


Bom, resta-me agora apenas deixar aqui uma singela homenagem a este grande homem que entre nós viveu e criou, apesar de tudo. Um excerto da ode “Segue o teu destino”
“Segue o teu destino,
Rega as tuas plantas,
Ama as tuas rosas.
O resto é a sombra
De árvores alheias.
(…)
Vê de longe a vida.
Nunca a interrogues.
Ela nada pode
Dizer-te. A resposta
Está além dos deuses.
Mas serenamente
Imita o Olimpo
No teu coração.
Os deuses são deuses
Porque não se pensam.”

Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
(…) Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Gênio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim. (…)”



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