segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Portugal e os cidadãos de primeira

Portugal e os cidadãos de primeira

Por António de Sousa Duarte*

12 de Janeiro de 2011

As mortes de Vítor Alves, capitão de Abril, e do cronista cor-de-rosa
Carlos Castro mostram algumas evidências sobre o país



Separadas por escassas horas, as mortes do coronel Vítor Alves,
"capitão de Abril", e do cronista "cor-de-rosa" Carlos Castro tiveram
o condão de fazer notar uma vez mais algumas evidências sobre Portugal
e os portugueses que nunca será de mais destacar. Na verdade, mesmo
admitindo as macabras circunstâncias em que Castro foi assassinado e
os requintes de malvadez de que foi aparentemente vítima, não parece
normal que tal facto tenha merecido tão esmagadoramente maior espaço
mediático do que o desaparecimento de um dos principais símbolos da
Revolução do 25 de Abril de 1974 e destacado operacional da construção
do processo democrático.

Vítor Alves faleceu domingo, cerca de 36 horas depois da morte, em
Nova Iorque, de um colunista social conhecido por se dedicar há
décadas a analisar os factos da actualidade "cor-de-rosa" nacional.
Considerado em muitas das biografias espontâneas que dele nos últimos
dias chegaram ao nosso conhecimento como "um cidadão de primeira",
Vítor Alves foi um homem probo, sério, rigoroso, sensível que
contribuiu de forma decisiva - antes e depois do dia 25 de Abril de 74
- para o actual regime democrático em Portugal. Vítor Alves, que
integrou, com Vasco Lourenço e Otelo Saraiva de Carvalho, a comissão
coordenadora e executiva do MFA (Movimento das Forças Armadas), foi o
autor do primeiro comunicado dirigido à população no dia 25 de Abril e
o militar que foi o porta-voz do Movimento. Mas as exéquias mediáticas
de Vítor Alves foram curtas, muito curtas, se levarmos em conta a
importância do seu legado e o impacte informativo que outros factos da
actualidade suscitaram e de que é exemplo, sublinho, a vaga noticiosa
relativa à morte de Carlos Castro.

O país trocou "um cidadão de primeira" por uma "história de segunda",
mas o desiderato é positivo: chancela-se a morte do militar, político,
ministro e conselheiro da Revolução em rodapés a correr e baixos de
página e atribuem-se honras de Estado... mediático ao assassinato do
cronista (não cronista social como alguns lhe chamam, como se Carlos
Castro e Fernão Lopes fossem páginas do mesmo livro...) e às
incidências macrotrágicas em que foi encontrado o seu corpo após
alegada tortura, castração e assassinato. Mas a responsabilidade de
todo este "estado a que - de novo e citando Salgueiro Maia - chegámos"
não é do povo. Porque não é o povo que edita jornais, blocos
noticiosos, telejornais ou sites. Nem é o povo o responsável por
Marcelo Rebelo de Sousa ter dedicado ontem, no Jornal da TVI, mais
tempo de antena à morte de Carlos Castro do que ao desaparecimento de
Vítor Alves.

*Ex-jornalista, consultor de comunicação, doutorando em Ciência Política

Sem comentários:

Enviar um comentário