A decadência moral do governo
Nuno Crato nomeou a
mulher para o Conselho Científico das Ciências Sociais e Humanidades da Fundação
para a Ciência e Tecnologia (FCT). Não sendo um cargo remunerado, é um cargo com
poder de influência. Muito maior do que se pode julgar. Não é apenas um órgão
consultivo. Escolhe e nomeia júris e painéis de avaliação, tem poder na
orientação científica das diferentes disciplinas e seleciona os projetos dos
investigadores contratados que passam a avaliação internacional. Na sua área
científica, este conselho tem um poder razoável. Para além disso, para alguém
com um currículo relativamente modesto para o cargo, trata-se de uma importante
promoção.
Mas ainda que não fosse nada disto. Um ministro não aceita a
nomeação da sua mulher para um cargo público que dependa da opinião do seu
Ministério, seja ele remunerado ou não, seja ele importante ou não. E dizer que
foi a sua secretária de Estado a tomar a decisão é conversa idiota. Partido do
princípio que Crato sabe alguma coisa sobre a vida profissional da sua mulher,
teria de ser o primeiro a impedir que esta nomeação acontecesse. E teria de ser
a sua mulher a primeira a perceber que não se deveria propor (é por candidatura)
para um cargo onde o Ministério dirigido pelo seu marido tem uma intervenção
final vinculativa. Já nem é respeito pela ética republicana. É bom senso.
Em Novembro de 2008, em pleno escândalo do BPN, Rui Machete escreveu ao líder parlamentar do Bloco de Esquerda a informar
que nunca tivera ações do BPN e da SLN, que nunca ocupara cargos de gestão nas
duas instituições e que nunca fora parte ativa ou passiva nos seus negócios. Na
realidade, como se sabe hoje (mas não se sabia na altura), Machete foi acionista
da SLN, tendo feito um bom negócio com a compra e venda de títulos que não
estavam disponíveis em bolsa e cujos preços eram decididos pelo próprio Oliveira
Costa. O ministro dos negócios estrangeiros declara que, com a sua "incorreção
factual", não teve qualquer intenção de ocultar factos. Bem esclarece que nada
lhe fora perguntado. Foi ele, antes que fosse chamado à Comissão de Inquérito,
que tomou a iniciativa de enganar quem sabia que o poderia chamar a depor para
que não lhe fizesse as perguntas incómodas que agora surgem. Aquilo a que
Machete chama de "incorreção factual" (e não é a primeira) tem um nome em
português: é uma mentira. E é uma mentira sobre o seu envolvimento, por pequeno
que fosse, no mais grave escândalo financeiro a que este país assistiu. Um
escândalo onde a amnésia seletiva dos envolvidos parece ser doença generalizada.
E onde, por isso, detetar quem mente e porquê é fundamental para perceber como
foi possível acontecer o que aconteceu nas barbas de toda a gente. Para saber
com que conivências e silêncios contou Oliveira Costa. O homem, soubemos ontem,
teve uma procuração assinada por Machete para o representar numa Assembleia
Geral.
Mas no seu esclarecimento Rui Machete toma-nos por parvos: "No
momento em que escrevi esta carta, em 5 de novembro de 2008, não tinha quaisquer
ações ligadas ao Banco Português de Negócios (BPN). Aliás nunca tive, em
qualquer momento, ações do BPN. Equivocadamente escrevi então que nunca tinha
tido ações da Sociedade Lusa de Negócios (SLN)." Tendo em conta que Machete
dirigiu o Conselho Social da SLN, é provável que saiba que nunca existiram ações
do BPN, mas apenas da SLN. Logo, faria pouco sentido escrever a um deputado para
informar que não tinha ações que pura e simplesmente não existiam. O que Machete
quis dizer foi o que disse quando não pensou que o país chegasse a tal Estado
que ninguém, a não ser ele, aceitasse ocupar o lugar de ministro dos Negócios
Estrangeiros.
Maria Luís Albuquerque foi apanhada em mais uma mentira,
numa sucessão deprimente de pequenos esclarecimentos que se vão negando a sim
mesmos. Na Comissão de Inquérito disse: "enquanto estive no IGCP nunca tive
qualquer contactos com swaps, nem do IGCP nem de natureza nenhuma". A partir do
momento em que Almerindo Marques disse que fora ela a dar parecer positivo a uma
swap das Estradas de
Portugal, a ministra passou então a dizer que, no parecer que assinou
para o financiamento daquela empresa pública pelo Deutsche Bank, que
implicava o estabelecimento de um swap "com carácter de obrigatoriedade", as
condições desse swap eram omissas. Um pouco diferente de nunca ter tido qualquer
contacto com swap. Aliás, as novas versões da verdade de Albuquerque são sempre
diferentes das suas primeiras verdades inabaláveis. Tudo sempre com um
propósito: esconder as suas responsabilidades, no IGCP, na Refer e na Secretaria
de Estado das Finanças, no caso dos swap. Contratar swap não é crime. O que é
grave é que foi Maria Luís Albuquerque que os usou como arma de arremesso contra
o PS e que, vendo o efeito boomerang do ataque, dirigiu uma investigação cheia
de buracos e fez uma limpeza no governo, lançando na lama o nome de colegas seus
de executivos.
Nenhum dos três casos é, por si só, especialmente grave. Quando
sabemos que Dias Loureiro e Oliveira Costa fizeram parte de um governo e que o
presidiário Isaltino Morais vai ganhar uma eleição por interposta pessoa nada
parece especialmente grave. Mas tudo junto, na mesma semana, faz Miguel Relvas parecer um
pobre injustiçado. E retrata bem o estado de degradação moral deste governo.
Todos os governo em fim de ciclo se enredam em sucessões de
escândalos que lentamente os matam. Foi assim no fim de Cavaco, de Guterres, de Durão/Santana, de
Sócrates. O problema é que este governo está morto mas já todos percebemos que,
se tudo correr como se espera, ficará no seu lugar por mais dois anos. O
problema é que este governo parece, desde o início, um interminável fim de
ciclo. Não é difícil imaginar o mal que fará ao País e à democracia manter um
morto-vivo, cada vez mais desacreditado, a gerir um dos mais importantes
momentos da nossa história. É que já não cheira a fim de ciclo. Cheira a fim de
regime. E isso não é obrigatoriamente bom.
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